quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A vida dos outros

Filmão. Esse retrato (baseado em fatos verídicos) da Alemanha Oriental pré-queda-do-muro em 1984 é bom não só porque aborda toda a paranóia recorrente dos sistemas totalitários, mas porque se aprofunda pelos interiores que se escondem detrás do cenário político da Guerra Fria e do palco da Berlim vermelha cerrada sob as cortinas de ferro: as dúvidas, dramas e incertezas daquele nosso velho conhecido - o ser humano.

Além de entregar ao espectador mais do que poderia sugerir à primeira vista, A Vida dos Outros me fez recordar as críticas do Nelson Rodrigues às ditaduras socialistas. Se ele tinha um olho cego para o que acontecia em nosso próprio quintal, a visão dele a respeito dos defeitos e falhas do sistema socialista sempre me pareceu da mais pura e límpida nitidez. Nelson foi execrado por meio mundo por botar o dedo na ferida, mas o que importa menos? A crítica ser bem fundamentada, sólida e coesa, ou quem a construiu ser reacionário ou libertário, fiel ou adúltero, hetero ou homo, preto ou branco, carioca ou nordestino? Eu digo: ainda que tenha saído da boca de um débil mental que baba na gravata, se a crítica é inteligente, consciente, pertinaz, fiquemos com a crítica, pensemos sobre a crítica - é o que importa. Seria injusto julgar agora, ainda mais que, naquela época, o bicho pegava. Mas, talvez um dia as esquerdas brasileiras agradeçam ao Nelson. Foi o seu maior ombudsman.

Grosso modo, pode-se dizer que o socialismo foi criado a partir de uma boa intenção: tornar-se alternativa viável para o outro sistema baseado na exploração e desigualdade. Mas sua experiência concreta em países europeus, asiáticos e americanos descambou para a falta de liberdade, a aniquilição radical da individualidade, a supressão da pluralidade e da expressão pessoal. Não havia cores, não havia vida; tudo monocromático, tudo sem graça. Rir é proibido; humor, indesejável. Mais que uma miopia sobre uma igualdade utópica, uma idiotia massacrante, uma burrice. Nenhum sistema que robotiza, nenhuma ignorância da diversidade vai dar certo. Não com o ser humano que conhecemos.

Um comentário:

MegMarques disse...

Adorei o que vc escreveu! Tudo o que eu queria dizer mas não tive talento!