Caminhando, atravessei a avenida no sinal vermelho e levantei a cabeça um segundo. Através do pára-brisa do carro na primeira fila, percebi a senhora chorando, as duas mãos segurando firmemente o volante. Olhei-a, e, naquele instante, ela olhou pra mim também.
Não nos desviamos: nem meus passos do caminho, nem seu pranto do meu olhar. Isso me incomodou um pouco. Aqueles olhos vermelhos e úmidos não tiveram vergonha de dividir seu sofrimento com um estranho. Também não pediram ajuda; não imploraram, não suplicaram, pareciam carecer de nada exceto, talvez, de uma simples testemunha qualquer.
É muito estranho se sentir assim íntimo de alguém. E essas lágrimas, jorraram de onde? Uma mágoa de amor perdido? Uma briga no trabalho? Coração partido? A doença de um filho?
O sinal abriu assim que alcancei o canteiro. A dona partiu, levando consigo sua dor e me deixando para sempre com seu mistério.
Desculpe, senhora. Não pude ajudá-la.
Um comentário:
Já notei que muita chora ao volante. Já foi também o meu lugar preferido para chorar. Tem privacidade, não se é interrompido ou perturbado. Acho que vc fez bem em não ajudar nesse caso. Muitas vezes chorar sozinho é o único consolo que resta.
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