terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Juízo

Não há semana que atravesse sem que mãe, pai, irmãs, primas, primos, tias, tios, amigos, mulher, conhecidos e anônimos me peçam encarecidamente para tomar juízo. Devo ser rapaz descompensado o suficiente para inspirar tanto zelo, tanta recomendação. Já me acostumei: a solicitação que me fazem é o “cai o pano” de todas as cenas, todos os diálogos e todas as despedidas. Não há adeus que não o comporte. Se, ao sair, não me pediram para tomar o tal de juízo, é porque aquilo ainda não foi a saudação do adeus.

É evidente que ninguém que tenha a ficha limpa receberia apelos tantos e veementes. Ontem mesmo: me ligaram nove vezes no celular e desligavam quando eu atendia. Número inédito e desconhecido. Até tentei ligar de volta aquimcasa, mas não consegui. Então, saí de casa para ir à locadora. Mas a ligação continuava, mais uma, duas, três vezes e eu sem saber quem era. Atendia e a pessoa desligava. Resolvi então acabar com o mistério do ligador econômico. A pessoa: “Rubão?”. “Sim. Quem tá falando?”. “Eu, sua prima. Só assim mesmo para falar com você”. Era minha prima, tadinha, que perdeu o pai recentemente e mora na Bahia. Preciso dizer que nunca tivemos o hábito de nos ligar, de nos falar. Nunca. Aniversário, natal, nada. Nos encontramos pela última vez no enterro do tio. Achei que ela estava me ligando por solidão e carência. Ofereci a ela minhas condolências. E, então, um microsegundo depois de lhe prestar uma vez mais os sentimentos pela perda recente, ela começou a me recomendar juízo. “Ah, vejo que a senhorita andou conversando com mãe”, disse-lhe. Ignorou-me e prosseguiu: “Rubão. Não faça isso. Não faça aquilo. Isto também não pode. Isso também não deve”. Ah, como conheço de cor essas orações. Parecia que a prima psicografava. E a coisa toda se arrastando. Foi aí que descobri que minha paciência tem bolso. Estava prestes a entrar na locadora que estava fechando, pagando o sermão interurbano no celular. Agradeci o carinho e a preocupação e tratei de encurtar a ligação. Mas achei que da próxima vez, já que é para me chamar a atenção, ela podia também originar a chamada. Ao fim, o vaticínio fatal: Juízo, Rubão! Juízo!

Sinceramente, tenho meus delírios. Eu gostaria que vendessem juízo como a Biotônico Fontoura, para que eu pudesse tomar uma ou duas colherinhas antes de ir trabalhar e depois das refeições. Ou que o engarrafassem de algum modo e o servissem nas padarias, restaurantes, lanchonetes, butecos. Que fosse popular e bem distribuído como refrigerante, para que eu pudesse bebê-lo com a sem-cerimônia com que tomo uma coca-cola. Sério, tomaria juízo em quantidades bastantes para que ninguém mais precisasse se preocupar comigo, apesar dos meus antecedentes. Taí, com gelo e limão, até Tenência tomaria.

Enfim, nada a temer, queridos. Estou em boas mãos. Hoje é terça; tenho certeza de que em breve meus amigos irão me chamar para tomar um pouco com eles. Juízo.

3 comentários:

Douglas Amorim disse...

Rubão, juízo!

Unknown disse...

Rubão, toma juízo!!!

Douglas Amorim disse...

Rubão, captou a idéia das plantas e canteiros! Abraço.