Caiu em meu colo, por obra de grato acaso, entrevista com o Oscar Niemeyer, da revista Audi Magazine.
Deu uma certa satisfação em ver o velhinho, aos 101 anos, em plena lucidez, em lúcida coerência. Tanto que não resisti a reproduzir alguns excertos.
O tom, a mensagem geral que predomina por toda a entrevista é a insistência do arqui-arquiteto com a educação do jovem. Que só arquitetura não basta; ela não é suficiente para transformar socialmente o mundo em que vivemos.
"O jovem precisa saber que a vida é injusta, que é preciso lutar. A gente quer um homem mais fraternal."
"A arquitetura é o pretexto, mas o objetivo é levar ao jovem eterno, aos jovens de um modo geral, uma idéia de que é preciso refletir sobre o seu país."
"Os jovens têm que ler, e no Brasil leem pouco."
"Então o sujeito entra para a escola superior, ele quer ser um vencedor, só pensa na profissão. Sobre a vida, propriamente, que é mais importante que a arquitetura, ele não toma conhecimento. E sai para a vida como o especialista, despreparado para o mundo perverso que o espera."
"Por exemplo, aqui no escritório há cinco anos vem um sujeito falar sobre filosofia. Agora estamos conversando sobre o cosmos. Então, a gente sai da aula, às vezes, pequenino."
"- A gente não quer muito. A gente quer que o sujeito olhe os outros com..
- Como iguais?
- Com interesse."
"Eu sou contra a Bauhaus. Era uma burrice danada, era uma merda."
"O importante é o jovem ler - ler qualquer coisa. O sujeito acaba encontrando um caminho que ele queira."
"Brasília não tem uma praça que dê uma ideia da importância do país (...) Uma praça que você passa e não esquece mais. É uma burrice danada tombar uma cidade. (...) Se eles esttão tão interessados na ideia de que Brasília deve ser tombada, que se fodam."
"Eu prefiro fazer museu a uma casa. Existe coisa pior do que fazer uma residência? Como é que você vai lidar com um casal reacionário?"
"O reacionário é um pobre criativo, de mau gosto."
[Numa entrevista para a TV canadense, depois de todo o equipamento testado, a repórter inicia a conversa dizendo: "Aos 101 anos, o senhor...". Niemeyer interrompe a gravação]
"Começamos mal, pode desligar todos esses aparelhos aí. Essa história de 101 anos é tudo mentira. Tenho 65, vamos começar outra vez."
" Uma vez, um sujeito perguntou: ´Oscar, e a vida?´ Eu disse: ´A vida? Mulher do lado e seja o que Deus quiser!'. A mulher é fundamental, como dizia Darcy Ribeiro. Agora, a vida depende de chance. Eu tive chance. Outras pessoas não têm. Tem colega meu que não tem trabalho. Isso me incomoda, não é? Eu me lembro de João Saldanha, que vinha muito aqui. Ele dizia sempre: ´Eu não consigo seguir um caminho. Quero fazer uma coisa, o destino me leva para outro lado´. Enfim... De modo que o importante é a mulher do lado! E saber que nós não temos importância. Que o tempo é curto. Quando você sobrevive mais, você se despede demais das pessoas. A vida é uma merda [ri da blague], mas a gente tem de viver, não é?"
2 comentários:
Conheci o velhinho este ano. Impressionante a fragilidade do corpo e a força da imagem. Ele vem a Niterói toda quarta, Rubão, para acompanhar a construção do caminho Niemeyer.
De vez em quando, quando o vejo, tenho a nítida impressão de que Deus esqueceu dele por aqui.
Grande homenagem.
Abs
PS: O velho é foda, mas é chato, rs
Com 101 anos, imagino que alguém pode ser chato, se quiser, por direito adquirido.
Não sou exatamente fã ou admirador, mas respeito. Se encontrá-lo novamente, pede a ele um rabisco qualquer, autografado. Fala que é pra mim. E se o velho comunista cobrar alguma coisa, diga: Deus lhe pague.
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