terça-feira, 9 de setembro de 2008

ESCUTATÓRIA

Rubem Alves


Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil. Parafraseio Alberto Caiero: "Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma".

Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos... Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio.

Aí, de repente, alguém se pronuncia. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro expôs seus pensamentos que ele julgava essenciais. São estranhos.

É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades: Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria dizer quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado". Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou". Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso o silêncio de dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio de dentro, começa-se a ouvir mensagens que não se ouvia antes.

Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. A comunhão acontece quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.