sábado, 9 de junho de 2012

Ex-boêmio

Após semanas, finalmente uma boa noite de sono. Graças ao corticóide. O busílis é quando o remédio acabar... a crise de tosse é bruta.

Tenho ciência dos efeitos colaterais. Há mais de um mês que tenho tomado corticóide intermitentemente. O remédio preferido - cerveja - só em um único intervalo, semana passada.

Que ao menos essa bronquite que não me larga faça-me encurtar a cintura. Afinal de contas, as saladas têm ocupado um espaço crescente em meu prato. Preciso diminuir o nível de colesterol ruim. O bom tá acima da média.

Papinho de coroa, hein. A verdade, enfim, é outra. Na realidade, tenho medo de entrar precipitadamente à fase de saber nome e princípio ativo dos medicamentos de cor. Pior: de pular etapas no quesito presentes, estes sim, o verdadeiro termômetro etário da sua vida.

Porque o o envelhecimento do homem é medido pelo tipo de presentes que ganha. Senão, vejamos.

Você começa com bicos e chupetas. Carrinhos. Playmobil. Um cachorro. Depois, o mais importante presente da sua infância, uma bola. Videogame. Canivete suíço. Um carro, se os pais forem caridosos. Eletroeletrônicos. Roupas. Vinhos. Até aqui você é um sujeito ativo, esperto, boêmio. Então os presentes começam a decretar o início da sua obsolescência, o outono da sua juventude.

Nos últimos quatro anos, ganhei nada menos do que quatro pijamas. Tudo de gente que me quer bem: minha mulher, minha mamãe e minha sogrinha. Nada contra os presentes - até porque eram de muitíssima boa qualidade e não há como culpá-las de tentar erradicar-me o antigo hábito de dormir em andrajos - mas, de qualquer maneira, aquilo era um sinal claro, evidente de que algo não ia bem. Depois, foram as pantufas - ! - alerta máximo de que o camisolismo chegara. E, agora, me vejo na atual situação. Se bobear, atravesso incólume a fase das meias, gravatas e cachecóis para atingir triunfante, antes dos 40, a apoteose das pílulas e charopes, embrulhados talvez com lacinho e papel marchê.

Todavia, a idéia não é má. Não é má. Ainda mais com o preço que andam cobrando nas farmácias, os genéricos não são mais o que foram antigamente.

Pensando bem, nem os boêmios.






segunda-feira, 4 de junho de 2012

Mercantilizando tudo

Neste domingo, caminhando pela feira - que agora não sei se se chama Hippie ou "da Afonso Pena" - lembrei-me de um queixume comum das pessoas, há alguns anos. O de que, com a invasão de produtos industrializados e importados, a feira havia perdido sua identidade - o caráter de exposição de artes e artesanatos, da manufatura e do made in myself.

Ao longo da avenida, o grosso da feira é ocupado pelas barracas com produtos de fábrica. À margem desse feixe de barracas, os hippies de agora - descendentes dos verdadeiros criadores da Feira -  se esparramavam pelas calçadas laterais, expondo no chão seus badulaques, colares e pulseirinhas. Como rêmoras que sobrevivem aderidas em um grande tubarão.

O motor econômico se apropriou do significado original da feira e levou a tradição hippie para a periferia. Deveria ser o contrário. Por exemplo, a Feira de Santelmo, em Buenos Aires, parece conseguir resistir a essa descaracterização em marcha.

Na Feira da Afonso Pena, fiquei com a sensação de melancolia: os hippies se tornaram tão acessórios como os adereços que vendem.

* * *

Lembrei-me também dos jogos nos estádios de futebol, principalmente em partidas entre seleções, nas quais os preços dos ingressos não correspondem à realidade - tanto para o serviço oferecido no estádio quanto à condição socioeconômica dos frequentadores mais assíduos, o povão.

E, por fim, parei no festival Comida de Buteco em BH. O buteco era, não sei se ainda é, o refúgio da informalidade, de quem quer bater papo e tomar sua cervejinha sem frescura. Durante o festival, os bares ficam tão cheios quanto insuportáveis; e o evento de encerramento, uma megaprodução, com seguranças, shows, ingresso e estacionamento caros.

Tudo é pop. Tudo é mercantilizável.

* * *
Aliás, se você for parar, vai ver que a coisa às vezes é mais sutil do que se pensa. A linguagem, por exemplo.

Hoje, na sala de espera do consultório médico. Em uma revista Caras, o título de uma matéria surpreendeu: "Ator Fulano de Tal passeia com seus herdeiros".


Ou seja: a melhor qualificação que o editor encontrou para aquelas pessoinhas de cinco e três anos é a de que não eram "filhos" do ator - eram seus "herdeiros".


As relações de mercantilização contaminam os valores de tal forma que nem as manchetes escapam. Pensando bem, nem deveriam escapar, reflexo que são.

Bela herança.