terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Esvazie suas gavetas

Sim, esvazie suas gavetas. Há canetas que não escrevem mais e suas tampinhas divorciadas lá no fundo; anotações avulsas em papéis esquecidos que, se um dia significaram alguma coisa importante, hoje são apenas letras e numerais; araminhos de amarrar saco de pão ainda têm azo, embora a abundância com que freqüentarão o seu dia-a-dia enseja-lhes o despejo; comprovantes coloridos atestam que houve uma madrugada em que você esteve em débito com o banco mas em crédito com a vida; esvazie tudo.

Alivie seu e-mail box. Use critério na sentença derradeira de seus e-mails, julgue se não vá precisar deles depois de enviá-los ao ciberlimbo. Tudo o que for prescrito deve ser proscrito.

Descarte sapatos velhos. Eles, que vigiaram os erros e acertos dos seus passos e sofreram o suor e a imundície na jornada da sua labuta, merecem aposentadoria. Ou talvez começar vida nova em um caminhar mais árduo do que o seu.

Doe roupas. Repare que elas são perecíveis como os alimentos, mas diferentes em validade: há calças intocadas e camisetas fresquinhas que já entram no seu guarda-roupa com o prazo vencido , embora ombro a ombro com farrapos de jeans e panos vetustos, mas que ainda se encontram consumíveis e em plena forma. Dê o que não goste, dê o que goste se a roupa querida já deu para o gasto; esteja prevenido: não há garantia de sorrisos se você alcança na memória longínqua o sabor de uma mancha ou a origem de uma descostura.

Desapego é mistério; relutância ao abandono até do que não foi jubiloso. A trilha adiante é mais leve sem toda essa tralha, e quem raciocina um pouco mais percebe que não é preciso uma efeméride de calendário para se livrar do que ocupa o desnecessário no embornal das horas. Que a convenção de um relógio compartilhado pode ser útil como lembrete do dia de faxina. 

Ou, pura e tão-somente, como despertador. 

3 comentários:

Anônimo disse...

Aê... Jogue tudo fora, mas guarde esse texto com carinho especial.

É bom mesmo.

Parabéns, Rubão, e Feliz Natal procêis daí.

Rubão disse...

Não exagera, meu velho. Desejo o mesmo em triplo e de coração.
Abraço,
r

Anônimo disse...

Belo texto mesmo, rapá.