sexta-feira, 24 de agosto de 2012
A ágora
sábado, 28 de julho de 2012
Vulto
Ainda mais combinando "som" e "fúria". Esses vocábulos, que tanto fascinaram e a tantos, me intrigam também - embora não saiba exatamente por quê.
“A vida é só um vulto, um pobre ator, que se pavoneia e choraminga num momento, sobre o palco, e depois não é mais ouvido. É uma fábula, contada por um idiota, cheia de som e de fúria, significando nada“.
Esse é o ponto. Toda vez que alguém diz "significa nada", cuidado.
Significa tudo.
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Furia jamás
Pra você ver que é possível mudar uma cultura.
Dá trabalho. Leva anos. Mas é possível.
A Espanha. Décadas e décadas regida por um epíteto fatal: "La Furia".
Ora, desde César sabemos que nome é destino. E o que vale para nomes, vale para apelidos. Repito: sobretudo para apelidos. Apodos flertam mais com a verdadeira essência das coisas que o próprio nome em si. São a versão adjetiva e substantiva dos cartuns e caricaturas. Entregam a autenticidade que a polidez impede ou polícia não permite.
De modo que nada atrapalhava mais a Espanha do que ter que ser "a Fúria". Era o tempo de Butrageño, o tempo de Michel. Por ter que incorporar, personificar, carregar o peso de ser uma Fúria, acabava por vias de fato sendo furiosa em tudo, do arremate do pênalti ao arremesso de um reles lateral.
Eis o drama. Porque a fúria raramente é bem-vinda, compadres. Nos momentos decisivos, nos grandes momentos, o sujeito precisa de um mínimo de controle, um mínimo de nervos, um mililitro de sangue frio. O espanhol, não. Antes, parecia que esse direito jamais lhe assistiria. A Espanha então sucumbia, vergava sob a burra responsabilidade de agir eterna e copiosamente como "La Furia". Essa era a sensação. No futebol, esperava-se que os descendentes do Reino de Castela e Aragão se comportassem com a calmaria típica dos ciclopes epilépticos. Isso atrapalhava, nas vitórias ou nas derrotas. Mais derrotas que vitórias, se lembrarmos bem.
Aí está o que hoje é claro e cristalino: ao ser a Fúria em chuteiras, a Espanha se sabotava. Enganava sua índole, sua arte, suas tradições. Ao acreditar que eram onze centauros chucros num pasto, a pátria que pariu um Dali, um Picasso, um Cervantes, se perdia, se traía, se mutilava. Faltava sempre a têmpera necessária para reverter situações adversas e dominar as partidas.
Para azar e sorte do mundo, hoje não falta mais. Em algum momento, os espanhóis reencontraram sua legítima vocação. Que nunca foi ser o touro, a Fúria, mas sim quem a atiça e a aplaca: o toureiro. Uma verdade que sempre esteve debaixo de nossas ventas atônitas.
Tem algo mais parecido do que um pano vermelho agitado aquele uniforme escarlate, a hipnotizar o adversário com o toque-toque de bola? Tem algo mais parecido do que um touro os adversários a peleja inteira correndo atrás da bola, numa ânsia de chifres em busca da carne, sem porém jamais encontrá-la? Tem algo mais parecido do que uma tourada do que se apiedar do time adversário, esgotado por tanto marcar e marcar, com os bofes pra fora, ferido e esbaforido, extenuado como um quadrúpede de quatro patas (sim, porque há quadrúpedes com duas, que há de se fazer) ao fim do jogo? E, talvez por isso mesmo, muitas vezes nesse balé almiscarado você se pega torcendo mais para o touro do que para o toureiro? Porque lá estão novamente os espanhóis, no momentos derradeiros, cravando uma, duas, três, quatro cruéis estocadas no lombo - digo, nas redes - do pobre animal?
É assim, tem sido assim nos últimos anos. Tourada após tourada. No papel de matadores, os espanhóis não tem pressa, não se afobam, não tremem. Dançam na arena abraçados a sua verdadeira identidade. Por mais que o touro venha pra cima numa louca e furiosa carreira, eles agora mantêm a bola, a flâmula e a fleuma. São senhores do espetáculo.
E dá-lhe olé.
sábado, 9 de junho de 2012
Ex-boêmio
Tenho ciência dos efeitos colaterais. Há mais de um mês que tenho tomado corticóide intermitentemente. O remédio preferido - cerveja - só em um único intervalo, semana passada.
Que ao menos essa bronquite que não me larga faça-me encurtar a cintura. Afinal de contas, as saladas têm ocupado um espaço crescente em meu prato. Preciso diminuir o nível de colesterol ruim. O bom tá acima da média.
Papinho de coroa, hein. A verdade, enfim, é outra. Na realidade, tenho medo de entrar precipitadamente à fase de saber nome e princípio ativo dos medicamentos de cor. Pior: de pular etapas no quesito presentes, estes sim, o verdadeiro termômetro etário da sua vida.
Porque o o envelhecimento do homem é medido pelo tipo de presentes que ganha. Senão, vejamos.
Você começa com bicos e chupetas. Carrinhos. Playmobil. Um cachorro. Depois, o mais importante presente da sua infância, uma bola. Videogame. Canivete suíço. Um carro, se os pais forem caridosos. Eletroeletrônicos. Roupas. Vinhos. Até aqui você é um sujeito ativo, esperto, boêmio. Então os presentes começam a decretar o início da sua obsolescência, o outono da sua juventude.
Nos últimos quatro anos, ganhei nada menos do que quatro pijamas. Tudo de gente que me quer bem: minha mulher, minha mamãe e minha sogrinha. Nada contra os presentes - até porque eram de muitíssima boa qualidade e não há como culpá-las de tentar erradicar-me o antigo hábito de dormir em andrajos - mas, de qualquer maneira, aquilo era um sinal claro, evidente de que algo não ia bem. Depois, foram as pantufas - ! - alerta máximo de que o camisolismo chegara. E, agora, me vejo na atual situação. Se bobear, atravesso incólume a fase das meias, gravatas e cachecóis para atingir triunfante, antes dos 40, a apoteose das pílulas e charopes, embrulhados talvez com lacinho e papel marchê.
Todavia, a idéia não é má. Não é má. Ainda mais com o preço que andam cobrando nas farmácias, os genéricos não são mais o que foram antigamente.
Pensando bem, nem os boêmios.
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Mercantilizando tudo
Ao longo da avenida, o grosso da feira é ocupado pelas barracas com produtos de fábrica. À margem desse feixe de barracas, os hippies de agora - descendentes dos verdadeiros criadores da Feira - se esparramavam pelas calçadas laterais, expondo no chão seus badulaques, colares e pulseirinhas. Como rêmoras que sobrevivem aderidas em um grande tubarão.
O motor econômico se apropriou do significado original da feira e levou a tradição hippie para a periferia. Deveria ser o contrário. Por exemplo, a Feira de Santelmo, em Buenos Aires, parece conseguir resistir a essa descaracterização em marcha.
Na Feira da Afonso Pena, fiquei com a sensação de melancolia: os hippies se tornaram tão acessórios como os adereços que vendem.
* * *
Lembrei-me também dos jogos nos estádios de futebol, principalmente em partidas entre seleções, nas quais os preços dos ingressos não correspondem à realidade - tanto para o serviço oferecido no estádio quanto à condição socioeconômica dos frequentadores mais assíduos, o povão.
E, por fim, parei no festival Comida de Buteco em BH. O buteco era, não sei se ainda é, o refúgio da informalidade, de quem quer bater papo e tomar sua cervejinha sem frescura. Durante o festival, os bares ficam tão cheios quanto insuportáveis; e o evento de encerramento, uma megaprodução, com seguranças, shows, ingresso e estacionamento caros.
Tudo é pop. Tudo é mercantilizável.
* * *
Aliás, se você for parar, vai ver que a coisa às vezes é mais sutil do que se pensa. A linguagem, por exemplo.
Hoje, na sala de espera do consultório médico. Em uma revista Caras, o título de uma matéria surpreendeu: "Ator Fulano de Tal passeia com seus herdeiros".
Ou seja: a melhor qualificação que o editor encontrou para aquelas pessoinhas de cinco e três anos é a de que não eram "filhos" do ator - eram seus "herdeiros".
As relações de mercantilização contaminam os valores de tal forma que nem as manchetes escapam. Pensando bem, nem deveriam escapar, reflexo que são.
Bela herança.
quarta-feira, 30 de maio de 2012
sinusa brava
Noites maldormidas, trabalho em demasia.
O blog e o blogueiro, tal e qual, sofrem do mesmo mal.
Cheiro de mofo.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Grátis: declaração
segunda-feira, 21 de maio de 2012
Lady Códex
Notícia completa, aqui:http://www.nasavassi.com.br/bairro/em-uma-semana-ronaldo-fraga-e-livraria-quixote-sao-assaltadas-na-savassi/
E eu pensando na ironia. O que havia de mais valor deixaram para trás. Por essas e por outras que nunca tenho medo de deixar livro dentro do carro.
Se eu fosse ladrão, roubaria livros. E Meg também, suponho. Seríamos uma espécie de Bonnie e Clyde literários, pesadelo dos donos de livrarias e bibliotecas.
Contudo, mesmo usando codinomes, seria fácil seguir nosso rastro. Inspetor da polícia civil e delegado na cena do crime:
- Eles atacaram novamente.
- Sim. Tudo leva a crer que se trata de mais um trabalho de Lady Códex e Kid Capa Dura. Veja - vários clássicos desapareceram dessas estantes.
- E a coleção de Paulo Coelho permanece intocada.
- Não há dúvida, foram eles.
* * *
Se bem que, segundo registra a crônica familiar da minha patroa, o assalto de livros ocorre há tempos.
* * *
Falando em livros, preciso puxar o saco da minha queridíssima sogrinha. Agora não. Noutro momento, pois ainda trabalho - dentro da lei.
Ainda.
domingo, 13 de maio de 2012
Estraga-prazeres
Deve ser uma estratégia traçada há anos, cumprida com sucesso risca a cada temporada. E, convenhamos. Filosoficamente, não existe mal intrínseco em ser provinciano.
(Suspiro).
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Entorpecido
No entanto, vejam vocês como são as coisas. Não se ignora que a beleza é fundamental, trovaria o poeta. Beleza põe a mesa, diriam os antigos. E, no que se refere à beleza, sabemos que Paris é caleidoscópica, opulenta, superior.
Aí é que está. Beleza demais também extenua.
Sim, porque, após tomar intermináveis choques estéticos e sinestésicos - em Paris não há beleza sem minúcia nem minúcia sem beleza - o amigo deve considerar a possibilidade de existir, nas entranhas do visitante incauto, uma certa nostalgia do simples, do comum, do trivial.
Aí, como acontece com quem come filé mignon todos os dias, bate uma saudade da carne moída.
Convenhamos, este é um mistério da condição humana. Verificável em qualquer época e lugar, mas que se acentua em Paris. De fato, nada parece ter escapado à obsessão de um povo que pingou gênio em todas as artes - música, arquitetura, literatura - e em todos os reinos - Vegetal, Animal, Mineral, Concreto e Abstrato ou, não duvide, Ectoplásmico. Aposto cabelos eriçados que até na categoria assombração a capital da França mostrar-se-á mais chique que as outras.
* * *
Mas o mérito maior do artista, pra mim, foi outro: acordar uma vez mais o olhar que se acostumara, por virtude de uma cidade que deslumbra e entorpece, a ver a beleza como algo, assim, habitué.
terça-feira, 1 de maio de 2012
eureka
Vim nessa vida foi para ser aposentado. Na boa.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
O gancho
Tudo pelo Poder: recomendo. Ressentir-se-ão (opa, quequeisso) os mais habituados aos ritmos frenéticos de um blockbuster, mas pro bacana, aqui, que curte uma boa trama, o filme vem muito a contento - como quase tudo que Mr. Clooney se envolve.
O enredo trata das prévias do Partido Democrata, o embate entre dois pré-candidatos no, muitas vezes pesado, mas sempre astucioso, processo eleitoral. Vale tudo, principalmente golpe abaixo da cintura.
Meu chute é que, ao expor os intestinos do jogo político, os mesmos esquemas valem para qualquer país ou época. Basta trocar os atores. Por exemplo, eu podia jurar que vi o Michel Temer disfarçado ali.
No fundo, o filme acaba desmistificando a figura do político "santo", seja de direita ou de uma pretensa esquerda, convidando o telespéqui também a um cinismo salutar - serviço que presta a idealistas e ingênuos. George demonstra, uma vez mais, que é um cara engajado (deliberadamente se permitiu ser preso com o pai, para denunciarem uma situação de abuso internacional: google aí) e virimexe os filmes com que se envolve têm esse punch, essa pegada política forte.
Com Tudo pelo Poder, o bonitão continua em forma. E com um bom gancho, querendo ou não, de esquerda.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Memória fotográfica
segunda-feira, 23 de abril de 2012
Delícia, delícia
A experiência
Desde que a atraente Buga preferiu esposar Ugh-Dois-Dentes a Kalu-Cabeça-de-Macaco, para desalento deste, numa tribo esquecida da nossa proto-civilização, sabe-se que nada é mais antigo e pessoal do que uma predileção estética. Bom ou mau, segundo os olhos de quem julga, gosto é e sempre foi gosto.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Eu e a urubóloga, side by side
Estudante universitário, tive o infortúnio de me sentar bem ao lado da urubóloga, numa reunião entre representantes de curso, professores e ela, convidada para palpitar (descer o cacete) sobre o estado de coisas da UFMG.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
Organização criminosa fazendo jornalismo
Dá-lhe, Protógenes! Falou tudo, tudo o que há tempos tá entalado na garganta!
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Inconsolável Paris
segunda-feira, 26 de março de 2012
quarta-feira, 21 de março de 2012
Possessão
Operação França II
de reservar um pra cada noite. Vai lá pucevê se dá pra evitar não voltar panhoca.
terça-feira, 20 de março de 2012
Tem como não gostar desse cabra?
Só pra lembrar com alegria que - no dia em que Messi alcança o topo da artilharia na história do clube - somos contemporâneos.
Pra quem gosta de futebol, nada é melhor do que vê-lo jogar.
O cara ainda vai estar lá, à frente do Garrincha, à frente do Maradona e atrás do negão.
Escreve aí.
segunda-feira, 19 de março de 2012
Operação França
sexta-feira, 16 de março de 2012
A reinvenção em uma pequena parábola
quinta-feira, 15 de março de 2012
Loucos de Bilbao
Sobre a infrequência
quarta-feira, 14 de março de 2012
Pensando Educação, parte III
segunda-feira, 12 de março de 2012
Tempos tristes
Mas, de repente, ninguém tem muito por que comemorar.
* * *
Bem, amigos da Rádio Boêmios no Divã. O o ouvinte que vos escreve dedica a próxima canção à sua esposa, Dra. Meg Marques.
quinta-feira, 8 de março de 2012
Pirando
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Carná na terra de Chatô
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Vô ali
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Kolam
é um tipo de figura complexa e elaborada desenhada com pó-de-arroz oupó-de-pedra, na entrada das casas no Estado de Tamil Nadu, no sudeste da Índia. O desenho, feito com habilidade, graça e destreza, é feito pelas mulheres do vilarejo, emuma tradição cultural passada de mãe para filha desde o século III ou IV a.C.
Dia dos Namorados
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Se arrependimento matasse
Da Folha.com
Veja os cinco maiores arrependimentos daqueles que estão para morrer
Uma enfermeira que aconselhou muitas pessoas em seus últimos dias de vida escreveu um livro com os cinco arrependimentos mais comuns das pessoas antes de morrer.
Bronnie Ware é um enfermeira que passou muitos anos trabalhando com cuidados paliativos, cuidando de pacientes em seus últimos três meses de vida. Em "The Top Five Regrets of the Dying" (Top Cinco Arrependimentos Daqueles que Estão Para Morrer", ela conta que os pacientes ganharam uma clareza de pensamento incrível no fim de suas vidas e que podemos aprender muito desta sabedoria.
"Quando questionados sobre desejos e arrependimentos, alguns temas comuns surgiam repetidamente", disse Bronnie ao jornal britânico "The Guardian".
Confira a lista e os comentários da enfermeira:
p>1. Eu gostaria de ter tido a coragem de viver a vida que eu quisesse, não a vida que os outros esperavam que eu vivesse"Esse foi o arrependimento mais comum. Quando as pessoas percebem que a vida delas está quase no fim e olham para trás, é fácil ver quantos sonhos não foram realizados. A maioria das pessoas não realizou nem metade dos seus sonhos e têm de morrer sabendo que isso aconteceu por causa de decisões que tomaram, ou não tomaram. A saúde traz uma liberdade que poucos conseguem perceber, até que eles não a têm mais."
2. Eu gostaria de não ter trabalhado tanto
"Eu ouvi isso de todo paciente masculino que eu trabalhei. Eles sentiam falta de ter vivido mais a juventude dos filhos e a companhia de seus parceiros. As mulheres também falaram desse arrependimento, mas como a maioria era de uma geração mais antiga, muitas não tiveram uma carreira. Todos os homens com quem eu conversei se arrependeram de passar tanto tempo de suas vidas no ambiente de trabalho."
3. Eu queria ter tido a coragem de expressar meus sentimentos
"Muitas pessoas suprimiram seus sentimentos para ficar em paz com os outros. Como resultado, eles se acomodaram em uma existência medíocre e nunca se tornaram quem eles realmente eram capazes de ser. Muitos desenvolveram doenças relacionadas à amargura e ressentimento que eles carregavam."
4. Eu gostaria de ter ficado em contato com os meus amigos
"Frequentemente eles não percebiam as vantagens de ter velhos amigos até eles chegarem em suas últimas semanas de vida e não era sempre possível rastrear essas pessoas. Muitos ficaram tão envolvidos em suas próprias vidas que eles deixaram amizades de ouro se perderem ao longo dos anos. Tiveram muito arrependimentos profundos sobre não ter dedicado tempo e esforço às amizades. Todo mundo sente falta dos amigos quando está morrendo."
5. Eu gostaria de ter me permitido ser mais feliz
"Esse é um arrependimento surpreendentemente comum. Muitos só percebem isso no fim da vida que a felicidade é uma escolha. As pessoas ficam presas em antigos hábitos e padrões. O famoso 'conforto' com as coisas que são familiares O medo da mudança fez com que ele fingissem para os outros e para si mesmos que eles estavam contentes quando, no fundo, eles ansiavam por rir de verdade e aproveitar as coisas bobas em suas vidas de novo."
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Sapere aude*
Parte II de um post aí pra trás, espremendo um cadim dilemas da educação , tutelato, etc. Ao ataque, pois!
Na Idade Média, a busca pela formação do homem livre era inspirada na clássica educação greco-romana, desvinculada de preocupações mundanas ou laborais.
Estruturou-se, nas primeiras universidades, nos mosteiros e catedrais – algo aí em torno do século IX – uma metodologia de ensino baseada em sete artes denominadas liberais. Dividiam-se em dois conjuntos: Trivium (encontro de três vias) e Quadrivium.
Trivium era composta por gramática, dialética e retórica. Reproduzindo aqui informação de segunda mão, de acordo com um teólogo da época, “a Gramática é o conhecimento de como falar sem cometer erro [gramática não no sentido como a entendemos hoje, mas sim no propósito de ensinar a clareza de expressão e comunicação de ideias]; a Dialética é a discussão perspicaz e solidamente argumentada por meio da qual o verdadeiro se separa do falso; e a Retórica é a disciplina da persuasão para toda e qualquer coisa apropriada e conveniente”. Trivial e elementar, meu caro. Aí está a base.
O sujeito podia parar por aqui e professar sacerdócio ou função administrativa eclesiástica. Ou, então, partir para o Quadrivium e continuar o edifício da sua instrução.
Aritmética, geometria, astronomia e música compunham o Quadrivium. O objetivo destas artes era a providência dos meios e dos métodos para o estudo da matéria e das coisas, pavimentando o caminho para seguir adiante. E, após o quê, era possível ao compadre se especializar em alguma das disciplinas superiores em voga na época: direito, medicina, teologia avançada.
Estas, como foi sublinhado, eram as artes liberais. A aprendizagem de profissões do tipo artesanal, como construção civil (ó a maçonariaí, gente!), se circunscreviam a corporações de ofícios, guildas e grêmios, creio.
Qual a boa ideia por trás da didática do Trivium, Quadrivium ?
Bom, o bichim tinha que aprender primeiro o domínio da linguagem – principal, mais básica ferramenta humana de interpretação e intermediação com o mundo – e as sutilezas, desdobramentos e complexidades decorrentes da sua aplicação, a partir do estudo de . Trocando em miúdos: primeiro, aprender a raciocinar. Depois, no Quadrivium, percorrem-se as disciplinas de cálculo, espaciais, “numéricas”, “de “quantidade”, que lhe permitiriam uma aplicação mais prática na sequência, útil ou imprescindível a determinados ofícios.
E o que toda essa salada tem a ver com o ensino de hoje?
O trecho que encontrei, num blog que me pareceu meio conservador, consegue traçar uma síntese lúcida e precisa da questão:
“O enigma da baixíssima eficiência do ensino, que não é fenômeno exclusivamente brasileiro, foi em parte resolvido na década de setenta pelo padre austríaco Ivan Illich (1926-2002), que propôs a sociedade sem escolas “tout court”. A tese de Illich, cujo mérito avulta na proporção direta do fracasso educacional geral, é que o sistema de ensino não tem por objetivo realmente educar, mas somente distribuir socialmente os indivíduos, por meio do ritual de certificados e diplomas. A escola formal, esta que Illich deseja suprimir, não é um meio de educação, mas um meio de “promoção” social, fato que as pessoas humildes revelam perceber quando insistem com o Joãozinho: estude, meu filho, estude...
Como se vê, vamos decifrando o mistério à medida que desprezamos a falsa equação entre ensino e educação. O sistema de ensino não produz educação, porque está ocupado demais em produzir documentos. Educação terá de ser buscada preferencialmente alhures, fora do sistema. É claro, sempre haverá um professor ou outro que, valendo-se da apatia do sistema, dará, por sua própria conta, aulas magistrais e educará de fato, contanto que seus alunos o desejem – o que, obviamente, nem sempre é o caso.
Temos aí uma espécie de lei geral com correlação inversa: a capacidade de educar alguém é inversamente proporcional à oficialidade do ato e diretamente proporcional à liberdade de adesão do educando. A educação prospera mais quando se a procura livremente. Este é o sentido da palavra “liberal” (de liber, livre) nas Sete Artes “liberais” da idade média, que eram ensinadas ao homem livre, por oposição às artes “iliberais”, ensinadas ao homem “preso”, controlado por guildas. Estas corporações de ofícios faziam grosseiramente o papel do sistema de ensino moderno, regulando privilégios econômicos e sociais.”
* * *
Olhando sem preconceito, a pedagogia escolástica medieval me parece bastante razoável. Aplicá-la ou adaptá-la aos dias de hoje são outros quinhentos. Se, de lá pra cá, até hoje se encontram desdobramentos e sistemas de ensino inspirados na escolástica, e em diferentes países, deve ser exatamente porque o encadeamento lógico da coisa toda cale lá dentro, faça sentido.
Ex-ducare: conduzir pra fora. Indo além, agora, seria preciso que fizéssemos a pergunta que pra mim é a raiz do problema: para que serve a educação, afinal?
A educação serve para o trabalho? Para a submissão, sublevação ou sublimação do espírito? É para aprender a pensar e descobrir coisas novas? É talvez para tudo isto junto e misturado, não podendo ser colocado da forma simplista como está aqui?
Fato é que, em praticamente qualquer talho que se tire da História, em qualquer época e qualquer lugar, sempre houve, por parte dos estratos sociais politicamente dominantes, a consciência de que era preciso restringir ao máximo a disseminação de conhecimento e circulação de ideias para que a massa de dominados não se insurgisse contra o status quo. As torneiras da educação, cultura, informação – todas as formas que a fluidez das ideias assume – são um poder estratégico que deve ser aberta ao povo aos pingos e aos poucos, de acordo com as circunstâncias. Assim foi, da pólis grega ao berço dos faraós, assim é, da Inglaterra recém-industrializada à mídia que hoje dissemina a idiotia e o consumismo embrulhadas em ilusões de arrivismo.
Então, hoje, para um filho, o que significaria uma educação de valor? Depende das premissas das quais partimos. Das inclinações pessoais do próprio indivíduo, acredito. E do subjetivo bom senso. Não tenho a resposta.
Mas veja aí o amigo minha inguinorança. Foi surpreendente reconhecer na fórmula medieval Trivium + Quadrivium um belo contraponto ao atual estado de coisas. E não adianta tentarmos nos enganar com maquiagens, converse você com qualquer professor do ensino público - e até do privado! – que você encontrará depoimentos aterrorizantes, apontando claramente para uma decadência generalizada - municipal, estadual, federal, global. Eis o perigo. Pois não defendem alguns que a formação deficiente dos cidadãos acarreta na formação de uma sociedade débil, corrompida e manipulável em todos os sentidos?
E vão combiná, né geeentem: não dá para levar muito a sério as estatísticas de educação propagandeadas pelos governos. Quase sempre são de natureza quantitativa – quantos entraram mais cedo na escola, quantos mais concluíram, quantos diminuíram a repetência – e quase nunca qualitativa – vide o grande contingente de analfabetos funcionais que deixam as instituições de ensino, grande parte sem saber ler, escrever ou fazer conta direito - e o mais grave - sem saber pensar.
Talvez, como disse Kant, tudo se resuma exatamente a isso, o dístico que poderia ostentar um lábaro do Iluminismo: *Ousar saber.
Ousar pensar.