segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Crônica véia

Como se fora uma rede secreta de coincidências orquestradas:

Primeiro: ontem, à mesa do jantar, Laurinha e Bibi (a.k.a. The little angels) ficaram incessantemente pedindo que Doc e eu contássemos casos de nossa infância, molequices, traquinagens. Mal acabava o relato de um, exigiam outro - de preferência engraçado, expectativa à qual meu repertório nem sempre pôde cumprir.

Segundo: hoje, chega à caixa um e-mail, de senhora de 58 anos, que encontrou uma crônica antiga sobre infância vagando por aí pelo ciberespaço há... há quanto tempo, mesmo? Nem sei. Mas dizia a gentil senhora que gostou, que gostaria de escrever suas memórias, e que seus filhos e netos vivem solicitando que ela um dia tome tenência e as publique. Meio encabulado, agradeci.

Dor no peito e sorriso nos lábios
Me lembro do tempo em que era menino, jogador de bola, lá nos cafundós do Serro, essa cidadezinha aprazível, pequenina e boa, porque se crescer mais estraga.

Terrazinha generosa, de a gente visitar roça e comer queijo.

A coisa mais gostosa que tinha, exceto a filha do prefeito, era a gente sentar lá no alto da Santa Rita, uma igreja em cima dum morro, e se espreguiçar naquele gramado verdejante, que se me esforçar um pouco mais, inda sinto o cheiro.

E se ficava ali, tomando sol como lagarto, com os amigos, no exercício do à toa, sentindo vento e espalhando mentiras. De tardinha que a coisa se  embunitava mais. O sol ia pedindo arrego devagar. Lá, no passado, ao contrário de agora, se percebia o tempo passando. E quando a gente dava por conta, pintava no alaranjado-vermelho-azul-roxo a primeira estrelinha, a de fazer três pedidos.

Com alguma consciência, fazia um pedido pra mim, um pra humanidade e o terceiro variava, dependia muito da inflação e da conjuntura política.

Primeiro pedia pra Deus uma namorada. Segundo, pedia pra acabar com a fome e a guerra, tentando negociar com Ele esses desejos num só, pois aí eu ainda ficava com um desejo de reserva, que não sou bobo.

As luzinhas da cidade iam se acendendo uma a uma, com má vontade. Ali, naquele horário, do alto da Santa Rita, a gente pensava em tudo, falava mal de tudo, duvidava de tudo, agradecia por tudo, e tudo isso era bom.

Refletores alumiavam a igreja às badaladas das 6 horas. Vinha chegando hora de ir embora, com roupa suja de marrom e joelho ralado, meia escorrendo pra dentro do tênis. Hora de pegar carona com meu pai, que saía do serviço ali pertinho.
De dentro do carro, indo pra casa, olhava uma última vez pra trás, praquele lugar, e não sabia porquê. É que a gente não tem muita dimensão do quê que vai virar saudade anos depois.

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