terça-feira, 17 de junho de 2008

Meg-aniversário

Ontem conheci o pai da gataça. Não sei se percebem o grau da cautela: considero prudente referir-me a ele como o pai da gataça. No máximo, co-autor da obra-prima (aí, já estou abusando da sorte).

O respeitabilíssimo senhor, português de origem, é um cavalheiro educado, austero, reservado. De seriedade e postura tais que, infere-se, não é de admitir gracejos e piadinhas de qualquer ordem ou sujeito. Que dirá do namorado da filha que ele está para conhecer no dia do aniversário dela. Sem mencionar que o homem, como um Hemingway do Tejo, foi caçador na África e coleciona na parede cabeças empalhadas de animais (incluindo aí genros, ouvi dizer).

Pra vocês verem como eu já estava à vontade.

Meninos, que dizer? De início, fiquei petrificado. Congelado, mas só da cintura pra cima: torcia pra que ninguém percebesse o tremor em minhas pernas. Ao entrar naquela sala, entendi o que sentiram Amundsen e Schackleton ao singrar em meio aos glaciares.

A tensão estava no ar. Dura. Gigante. Maciça. Mané faca o quê: só daria pra cortar aquilo com britadeira. Ficamos ali, sem saber o que falar.

Pensei: já sei como quebrar o gelo. Saquei do casaco o presente da gataça: uma singela caixinha que cabia na palma da mão.

Senti a doutora prendendo a respiração, imaginando que eu estava prestes a cometer uma loucura. À minha esquerda, o pai da gataça permanecia mais imóvel do que quinze estátuas, embora seus olhos arregalados estivessem prontos para saltar das órbitas. Excitadíssimas, as meninas pulavam como cabritas sobre o sofá, berrando “Anel de casamento!”, “Anel de casamento!”, mas tudo em mim eram murmúrios distantes, o atabaque no meu coração me ensurdecia e a periferia da minha visão turvava enquanto eu e a doutora gritávamos em desespero um “Nããããããããããããããão!” que pareceu durar a eternidade.

Todos, todos os olhos e respirações daquela sala estavam fixos naquela caixinha, e o tempo transcorria mais lentamente porque, estou certo disso, naquele momento, à espera do desenlace, abriu-se uma fenda na quarta dimensão, nunca segundos foram arrastados, nunca olhares estiveram tão cravados em um par de mãos numa caixinha.

Então, para enterrar as angústias, a gataça desembrulhou o papel que continha o aparelhinho e retirou o MP3. Não posso garantir 100%, mas poderia jurar ter visto o pai dela desabar no sofá; as meninas continuavam saltando como gafanhotos, a doutora voltou a sorrir, aliviada, e eu nem precisei de sais aromáticos.

Durante o jantar, o clima foi amainando. Pudemos trocar palavras, e o resto da noite, tirante uma ou três bobagens que falei, transcorreu sem maiores incidentes . Apesar de toda a tensão e desconforto, acho que tudo acabou bem.

Ainda estou respirando, não estou?

7 comentários:

Anônimo disse...

Geeente... Que sufoco!

Anônimo disse...

Parabéns pra doutora. Por coincidência, ontem comemoramos 18 anos de casados.
Não gostei do fim da história. Cadê o anel-de-casamento?
A.None Moh

Rozzana disse...

Hahahaha, que história ótima! =D

Unknown disse...

Olá, sou amiga da Meg e adorei o relato do encontro com o pai da eleita. Que vc continue fazendo minha amiga gataça feliz !
Um abraço,
Fefê

Anônimo disse...

Que bom ver minha amiga sendo "gostada" assim! Fico feliz por vocês.
Beijos, Leticia (aquela que você foi na casa quando tinha um milhão de crianças bagunçando tudo)

MegMarques disse...

Adorei o post, gatinho!
Faltou dizer que eu não parava de falar um segundo para que não se instalasse qualquer silêncio constrangedor na mesa.
E que o peixe que encomendei ficou pouco para o apetite de três adultos ligeiramente tensos.
E que, melhor de tudo, meu pai gostou de você! Aliás, não te contei antes, mas você foi o primeiro namorado meu que ele elogia de alguma forma.

Rubão disse...

Nanda e A. None Moh, vocês já são de casa.

Lolló, Fefê e Letícia, a casa é de vocês: sejam bem-vindas! Claro, Lets, que me lembro de você e daquela ótima tarde (você não deve ter visto, eu era uma das crianças que estavam bagunçando tudo).

Doc, o fato é que gostei de verdade do teu pai: ganhei a noite quando você falou que ele foi com minha cara (sobretudo porque ele me permitiu viver para contar a história)!

Obrigado, pessoal! Beijos a todos,
r