quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Homilia verde

O mundo em guerra cambial, os republicanos em maioria no Congresso americano, o neorecrudescimento da xenofobia na Europa e do preconceito no Brasil, o uso deturpado dos combustíveis nucleares, a censura na China e na Coréia do Norte; e cá se encontra este blogueiro a divagar sobre o jardim .

Entretanto, de jardim não se pode chamá-lo. É o eufemismo para uma área nos fundos do apartamento que revela, aqui e ali, evidências arqueológicas de um projeto paisagístico, com fantasmas de trepadeiras nos muros, resquícios de antigos canteiros nos flancos e vasinhos outrora abandonados.

Salvo dois pés de buganvília e um de limoeiro improdutivo, a ignorância agrária não permite identificar mais nada. Nem os brotos à direita, nem as plantas à esquerda; nem aquele espécime florescente em vermelho-vivo que o colibri mais gosta e pelo qual nos visita todas as manhãs, nem sequer a copa que, diária e anonimamente, troca a sombra por um pouco de água.

Esse legado verde que nos deixaram revelou, sem querer, uma pequena heresia bíblica. Nós, as gentes urbanas, versadas no trânsito das gôndolas dos supermercados, apalpando e escolhendo todo dia o que melhor nos aprouver, conseguimos a façanha de contradizer a Palavra: reconhecemos os frutos e, paradoxalmente, desconhecemos as árvores.

Este é, naturalmente, meu caminho primeiro para a espiritualidade. Regar, cavar, semear, plantar, podar, colher. Nos dias santos - em que a disposição sobrepuja a preguiça - dispensarei o duro rito das igrejas em favor da agradável liturgia dos quintais.

Mexer com o verde é uma espécie de comunhão. Fiel, enfie a mão na terra você também.


3 comentários:

Mariana disse...

Que belas palavras! Gostei.
Mariana

MegMarques disse...

Belíssimo!

Rubão disse...

Muchas gracias, amore.
Muchas gracias, Mariana.