A eleição de Obama – como todos sabem – foi uma reação aos terríveis anos Bush. Reação tênue. No dia mesmo que ele foi eleito, escrevi aqui que a direita nos Estados Unidos tinha sofrido uma derrota política, mas que numericamente seguia fortíssima. Depois da catástrofe dos anos Bush, os republicanos conseguiram mais de 45% dos votos totais em 2008: “o conservadorismo republicano está mais vivo que nunca. Vai se reagrupar. A direita religiosa, os intervencionistas, os imperialistas, os racistas, a horda de bárbaros que levou Bush ao poder segue firme. Despreza o que o mundo possa pensar, desconfia dos negros, dos latinos, e vai partir pra cima de Obama assim que se passarem os cem dias tradicionais de trégua no início de governo.” (foi o que escrevi em 2008).
Passada a eleição, Obama consumiu capital político para aprovar a reforma de Saúde, e nas outras áreas avançou muito pouco. Na verdade, o aparelho de Estado nos EUA parece dominado por uma sinistra aliança de interesses militares/financeiros/petroleiros (aqui no Brasil, acontece algo parecido – tal o consenso financista que domina o país; só agora, Dilma parece chacoalhar esse consenso, com a estratégia para baixar juros e reduzir o poderio dos rentistas que vivem dos títulos públicos).
No poder, Obama foi acuado pela direita, que cresce sob patrocínio do Tea Party – movimento que no Brasil Serra tentou mimetizar na eleição do ano passado, com o debate sinistro e falso (até porque - sejamos honestos – Serra não é de extrema direita, e nem é um homem religioso) que envolveu aborto e Igrejas de todos os tipos.
No debate da economia, Obama também capitulou: para evitar a moratória e conseguir no Congresso novo teto para a dívida pública, cedeu aos conservadores e evitou aumentar impostos dos mais ricos. A ideologia anti-impostos é dominante no país do Tea Party. Obama – que já foi acusado de “socialista” por aprovar um sistema público de saúde – corria o risco de ser comparado a Lênin ou Trotsky se subisse imposto, ou se aumentasse os gastos do Estado (como fez Lula diante da crise).
Parece piada. Mas a situação é dramática. Com a economia patinando, Obama corre riscos de perder a reeleição para um republicano. Que tipo de republicano? Vejam bem a situação: o homem que hoje lidera a corrida no partido adversário de Obama é um tal de Rick Perry. Ele é governador do Texas – Estado que legou ao mundo o inefável Bush Jr.
Perry aos poucos vai desbancando o até agora favorito Mitt Romney – considerado muito “moderado”. Romney é mórmon, religioso, mas não é suficientemente direitista para o gosto atual dos republicanos. E sabem por que? Porque aprovou, quando foi governador de Massachusetts, uma reforma no sistema de saúde semelhante à reforma de Obama. Ou seja: Romney é suspeito de “socialismo”.
Por isso, cresce o favoritismo de Perry. O governador do Texas é adepto de teses estranhas… No começo do ano, pediu “vigília religiosa” para que voltasse a chover no Estado. Poderia ter contratado o Cacique Cobra Coral aqui no Brasil! Depois, reuniu 30 mil pessoas para uma corrente de orações: “Orem por nossa economia! Orem por nossa economia, nossos negócios, nossos empregos!”
Esse é o homem que pode comandar a maior potência militar do planeta. Ele é visceralmente contra o aborto, contra a união gay. E acha que a economia pode reagir na base da fé. Pra completar, num debate pela TV essa semana, disse que aquecimento global é “bobagem”.
O resultado de tudo isso, eu comentava há pouco com um amigo blogueiro que viveu nos EUA: o mundo ainda terá saudade da época em que a direita norte- americana era comandada por Bush Jr. Ele era cínico, obtuso, parceiro das petroleiras, implantou a doutrina do “ataque preventivo” e ajudou a quebrar o país. Mas, ao que se saiba, nunca disse que era preciso rezar para combater seca e recessão.
Os tempos, ao que parece, não são mais de ”conservadores ilustrados” – como Churchill, De Gaulle… Mas de conservadores fundamentalistas, histriônicos, abobalhados.
Obama é o mal menor a essa altura. Mas a turma que ajudou a elegê-lo está insatisfeita com as hesitações do presidente. Obama não terá o povo na rua para a reeleição. A esperança dos democratas é que o perfil extremado dos republicanos espante o eleitor centrista, que não quer o país entregue nas mãos de loucos religiosos.
Mas isso tudo é teoria. Porque no meio do caminho há a pior crise econômica desde o crash de 29. O mundo sabe o que pode resultar dessa mistura de crise econômica, desemprego e orgulho nacional ferido. Esse coquetel, na Alemanha dos anos 30, deu no que sabemos.
Tempos de trevas estão a caminho. Pior: trevas num país que tem força militar para fazer muito estrago pelo mundo. Em nome da fé e da “civilização cristã”.