segunda-feira, 4 de maio de 2009

Modorra

A letargia mal-humorada de hoje me levou até à palavra modorra; e a palavra modorra, por sonoridade, me pôs na infância. 

Para distrair-nos, pai cantava uma musiquinha de brincar com faca pererecando nos intervalos dos dedos da mão. Uma canção aprendida não sei onde e de termos exóticos de significado desconhecido. 

Googlei e descobri um registro - Pintalainha:
Pintalainha de canavitinha
Pintou na barra de 25
Mingorra, mingorra de cantiforra
Tira esta mão que já está forra

Mas não era assim que a gente cantava. Numa corruptela generosa, se não engana a lembrança, o nome era Canivetim da Pintainha:

Canivetim da Pintainha
Pintou na barra de 25
Migorra, migorra do catiforra
Veio o Rei Mané João
Deu-lhe quatro bofetão
Recolhe este dedão
Que é do cocho do mamão.

Enfim. Isso era pra distrair menino. As outras canções, pra embalar no sono, tinham mais, digamos, o meu perfil.

Su-su,
Neném do baú:
Cara de rato
Fucim de tatu

E, algumas delas tão sui generis e estranháveis quanto estas anteriores, em roteiros que envolvem ameaças de morte, assassinatos, canibalismo e outras delicadezas - tudo para ninar o peste que não dorme e nem deixa dormir:

Tutu Marambá
Não venhas mais cá
Que o pai do menino
Te manda matar.

Outra clássica, "Dorme Neném", com a já requintada advertência de abandono infantil:

Dorme, neném
Que a Cuca vem pegar
Papai foi pra roça
Mamãe foi trabalhar


E a antropofágica, que chamo de "Tangolarilango":

Ô Jesuina!
Ô Dolmanata!
Tangolarilango Larizê!
No fim do mundo
Onde tu for,
Eu vou te comer.



E hoje, tirando uma certa rabugice crônica, eu sou completamente normal. 

5 comentários:

MegMarques disse...

hahahahaha, quem diria, com tantas ameaças de infanticídio, que as pessoas conseguem crescer e se tornam adultos normais!

Rubão disse...

Quem, adulto normal?

Anônimo disse...

Dra.,
as ameaças não se dirigiam aos infantes e sim aos fantasmas qe atormentavam o sono do Rubão e irmãs. Até hoje embalo o sono de bebês que porventura me venham ao colo.
Rubão: é de tradição; aprendi com meu pai e transfiro para você usar com seu(s) herdeiro(s)! Não importa o significado, a sonoridade (ou a chatice das repetições incontáveis que eu usava) é que fazia você, por enfado, preferir Morfeu.
A.None Moh

Rubão disse...

Eu sei, A None Moh. Registrei a curiosidade: cantos infantis, quanto mais tenebrosos, mais interessantes.

Abraço,
r

Unknown disse...

Que bacana! Agora vou aprender a cantar direito! Eu falava alguns versos de um jeito diferente.

Abraços!