quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Farofada

Quando vi no sítio da Veja alguém manchetar que a morte do primeiro-damo da Argentina paralisaria algo como "um projeto de autoritarismo em curso no país", pensei: sei de nada sobre a vida dos nossos vizinhos, mas aposto que esse cara aí era progressista. Fuçando um pouco na web, não deu outra.

* * *
Agora, aqui. Gente, vamo parar com isso.

Que história é essa de "ameaça à democracia" no Brasil?

Quando, Serra? Onde, Dr. Hélio Bicudo? Quem, Éfe Agá?

Pelos Bigodes Buliçosos de Nelson Rodrigues! - não o dramaturgo, glabro, mas o cachorro lá de casa cultiva.

A bazófia virou chororô, chororô virou dor de cotovelo, dor de cotovelo virou cinismo.

Em oito anos, em que ponto nossa democracia esteve a ponto de ser ameaçada? Pelos concursos públicos, que antes não existiam e hoje fortalecem nossas antes sucateadas instituições e hoje dão emprego a nossos filhos? Pelos Estados Unidos, que perderam a mamata de Alcântara? Pelo dito aparelhamento do Estado? Ora, quem pesquisar por aí (idelberavelar.com, 19/10/10) vai ficar besta de ver o número de cargos que o poder executivo tem a prerrogativa de indicar - e que é normal em qualquer democracia: botar gente de sua confiança para executar as diretrizes políticas que você acredita.

* * *

Conversam pessoas de classe média sobre viagens à Europa (depois de me casar, descarto dar festa mas não de conhecer a Europa).

Uma colega dá depoimento, dizendo que, se planejar com muita antecedência, você consegue na internet muitos descontos em hospedagens e passagens aéreas baratas em solo europeu.

Versado no assunto, um agente de viagens exemplifica, contando que há casos de um vôo Madrid-Londres custar 40 euros.

Chega então à roda um jovem gaiato e diz: - Mas esses vôos nem oferecem lanche nem nada. Tem gente vendendo de tudo dentro do avião. É barato, sim. O foda é que é a maior farofada.

Farofada. Uma farofada européia.

E o sujeito arremata: - É igual vôo da Webjet aqui. Nem lanche tem.

Farofada à brasileira.

Penso na crise da aviação em todo canto, no polêmico dono da RyanAir, cujo nome o google decerto não se esquece, que prospera ano após ano num setor sempre às voltas com a crise porque se propõe a encarar seu negócio simplesmente como levar as pessoas de um ponto A até o ponto B, sem frescuras; e penso que se o rapaz não gosta de farofa, ele tem todo o direito, inclusive o de pagar mais para viajar com quem, provavelmente, tem poder aquisitivo pra isso e compartilha de suas predileções gastronômicas.

Depois que a conversa acaba, tentei recordar quantas vezes eu já fui preconceituoso, ainda que silenciosamente. Que a batalha contra o preconceito é diária, e, mais importante, começa em minha própria intimidade. Que, antes de criticar a babaquice alheia, eu tenho que me comprometer em domar a minha contra meus semelhantes. Que, em maior ou menor grau, também sou hipócrita.

Bueno, o garoto transparece ser daquele tipo de gente que vai à praia e se incomoda se tem "farofada". Que na fila do cinema do shopping classe alta se incomoda ao prever que vai ter de se sentar ao lado da "farofada". Que repara que o aeroporto tem cada vez mais "farofada" - antes invisível.

A vontade que dá é classificar este rapaz da elite com o mesmíssimo rótulo que a turma dele tasca à "farofada" quando a encontra perambulando pelo BH Shopping:"É por causa dessa gente que o Brasil não vai pra frente".

E, graças ao garoto, sabemos que a Europa está indo para trás também por mais essa razão.

3 comentários:

Bruno Perpetuo disse...

Rubão, apenas um adendo: as pessoas confundem a todo instante o "ser pessoal" e o "ser social". Inclusive já tivemos conversas quanto a isso. Por exemplo, eu sou besta, sou mesmo... arroto faisão, não gosto de representações populares, farofadas, pagodes e afins... EU, Bruno Perpetuo, "ser pessoal", tenho direito a não gostar de nada disso. Claro que tenho direito. Ponto.

Mas, nem por tudo isso, o "ser social" Bruno Perpetuo tem o direito de proibir isso, coibir, achincalhar, ou arbitrar sobre isso, eu posso ter uma opinião sobre algo e defender que outros tenham outras posições sobre o mesmo tema. "Posso não concordar sobre o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las", alguém já disse.

Essa é a premissa que as pessoas esquecem. Eu posso ser reacionário na minha vida pessoal, mas entre ser reacionário e defender que o racionarismo seja uma condição sine qua non de bom senso e que deva, arbitralmente, proteger o meu mundinho, há uma longa (e intransponível) distância.

Abs

Rubão disse...

Tá registrado.
Abraço,

r

Tina Lopes disse...

"Esse povo", "essa gente" - me dá nos nervos ouvir isso.