Direto de Johanesburgo – A cidade amanheceu ensolarada, como de hábito nestes dias, com um vento mais ameno do que o de ontem, aço frio de mil punhais perfurando a grossa jaqueta comprada há dezesseis anos na Copa dos EUA com o emblema do NY Team.
Mas, o calor maior vem do som persistente e uníssono, num tom próximo ao de contralto, das vuvuzelas, essas cornetas africanas que são o encanto e o horror de Johanesburgo.
Ainda no jantar da véspera, num pub irlandês, cujo dono, ironicamente, é o português João, fui submetido a uma tortura tão insuportável que quase me declarei publicamente ser o cabo Anselmo em pessoa. Pra quem não sabe, cabo Anselmo foi o símbolo da traição da resistência à ditadura militar no Brasil.
Em duas mesas repletas de brancos e um japonês, os comensais se revezavam na arte de tirar sons de uma vuvuzela, que passava perdigotos de boca em boca, ao pé de meu ouvido, aos gritos e risadas histéricas.
Ao fundo, ou ainda mais alto, o som do show de abertura da Copa, um desfilar de cantores e cantoras internacionais, cuja estrela maior – Shakira – provocava estertores na moçada cada vez que aparecia com seus trejeitos e rebolados, numa versão mezzo sul-africana da abominável Macarena de anos atrás, misturada com a dança do piu-piu do nosso inefável Gugu.
Ah, as vuvuzelas! Disse que são o encanto e o horror desta cidade aprazível. E cometo aqui uma confissão de culpa irremissível.
Outro dia, numa mesa do café do hotel, ouvi uma inconfidência de Lúcia, mulher do Veríssimo, mais que companheiro de outras viagens, mestre silencioso na arte das palavras: tramava a digna senhora uma falseta para o marido ilustre – dar de presente à netinha uma dessas vuvuzelas e instigá-la a acordar o vovô todas as manhãs, ao som mais irritante do mundo.
Em retribuição à gentileza que Lúcia me fizera dias antes, comprando-me um cosmético qualquer em suas andanças pela cidade, dei-lhe a tal vuvuzela. Ganhei dela um sorriso velhaco. Do Veríssimo, o silêncio eterno.
As cornetas, porém, continuam a soar, enquanto filas e mais filas de carros se encaminham lentamente para o estádio, onde África do Sul e México, finalmente, botam a bola da Copa, a famigerada Jabulani, pra rolar.
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