segunda-feira, 4 de junho de 2012

Mercantilizando tudo

Neste domingo, caminhando pela feira - que agora não sei se se chama Hippie ou "da Afonso Pena" - lembrei-me de um queixume comum das pessoas, há alguns anos. O de que, com a invasão de produtos industrializados e importados, a feira havia perdido sua identidade - o caráter de exposição de artes e artesanatos, da manufatura e do made in myself.

Ao longo da avenida, o grosso da feira é ocupado pelas barracas com produtos de fábrica. À margem desse feixe de barracas, os hippies de agora - descendentes dos verdadeiros criadores da Feira -  se esparramavam pelas calçadas laterais, expondo no chão seus badulaques, colares e pulseirinhas. Como rêmoras que sobrevivem aderidas em um grande tubarão.

O motor econômico se apropriou do significado original da feira e levou a tradição hippie para a periferia. Deveria ser o contrário. Por exemplo, a Feira de Santelmo, em Buenos Aires, parece conseguir resistir a essa descaracterização em marcha.

Na Feira da Afonso Pena, fiquei com a sensação de melancolia: os hippies se tornaram tão acessórios como os adereços que vendem.

* * *

Lembrei-me também dos jogos nos estádios de futebol, principalmente em partidas entre seleções, nas quais os preços dos ingressos não correspondem à realidade - tanto para o serviço oferecido no estádio quanto à condição socioeconômica dos frequentadores mais assíduos, o povão.

E, por fim, parei no festival Comida de Buteco em BH. O buteco era, não sei se ainda é, o refúgio da informalidade, de quem quer bater papo e tomar sua cervejinha sem frescura. Durante o festival, os bares ficam tão cheios quanto insuportáveis; e o evento de encerramento, uma megaprodução, com seguranças, shows, ingresso e estacionamento caros.

Tudo é pop. Tudo é mercantilizável.

* * *
Aliás, se você for parar, vai ver que a coisa às vezes é mais sutil do que se pensa. A linguagem, por exemplo.

Hoje, na sala de espera do consultório médico. Em uma revista Caras, o título de uma matéria surpreendeu: "Ator Fulano de Tal passeia com seus herdeiros".


Ou seja: a melhor qualificação que o editor encontrou para aquelas pessoinhas de cinco e três anos é a de que não eram "filhos" do ator - eram seus "herdeiros".


As relações de mercantilização contaminam os valores de tal forma que nem as manchetes escapam. Pensando bem, nem deveriam escapar, reflexo que são.

Bela herança.

2 comentários:

MegMarques disse...

"Não leves o sol nas mãos
quando fores, amor, à praça
onde até o sol se compra
onde até o sol se vende
e sobretudo não digas
essas palavras que nascem
da brisa que nasce em ti
quando passares pela praça
onde se compram palavras
onde as palavras se vendem.

Nunca vistas os teus olhos
Das manhãs que vais tecendo
Nem soltes os teus cabelos
Onde o amor faz suas tranças.
Com teu cesto de ternura
Nunca vás, amor, à praça
Onde até o amor se compra
Onde até o amor se vende.

E se eu partir para a guerra
Não perguntes quando volto
Nem com lágrimas desenhes
Minha ausência no teu rosto.
E sobretudo não fales
Meu amor, da paz na praça
Onde até se compra a guerra
Onde a própria paz se vende.

Nem perguntes pelo nome
Que no peito escrito trazes
Porque há nomes que se compram
Os nomes também se vendem.
Nessa praça onde tu passas
Tão sem preço como preço
Que o vento teria, amor,
Se o vento tivesso preço."

Manuel Alegre

Rubão disse...

Q beleza.