segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Preconceito na pista

A alguns laps de ser disputa de minha predileção, acompanho, no entanto, assim de longe, a Formula 1. Ora, dizem os experts que o italiano Flávio Briatore, dono da equipe Renault, é um canalha legítimo, do puro, do escocês. Com uma longa ficha corrida ao longo dos anos.
Bem. Aí vem o chefão à boca de cena dizer que o Nelsinho é veado. Como débil tentativa de rebater a acusação de que, no ano passado, tenha ordenado o Piquet filho a abalroar um concorrente de propósito, a fim de favorecer o companheiro de escuderia Fernando Alonso.

Rumino: haverá ainda quem não faça distinção entre tonico e penico? Que ridículo.

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A gente se acostuma, de menino, a brincar. A chamar uns aos outros de veado, de gay, de frutinha. Muito, muitas vezes, carinhosamente. No cumprimento de cabras que se gostam, "veado" guarda a equivalência do "filhadaputa". Audível no abraço dos reencontros, na mesa dos botecos, no alô dos telefones. "Fala, veado!", "Fulano, sua bicha! Beleza?" É uma espécie de concessão de afeto; outorga que se reserva a quem for de apreço ou intimidade.

Imagino que não deve adiantar muito, para um homossexual, alguém se escusar dizendo que esse tipo de expressão não necessariamente implica preconceito. Porque, sejamos francos, talvez implique.

* * *

Também não é preciso ser paladino da causa gay - ou de qualquer minoria ou grupo social discriminado - pra perceber que uma cultura que utiliza o tom de deboche como a forma mais branda - eu ia dizer inofensiva - de aversão já se configura numa forma de aviltamento. Temerário duvidar: quem é dono do sapato é que sabe o aperto do calo.

E, digo por mim. Como é difícil mudar uma cultura apreendida, um hábito assimilado. Uma vez, quando tinha doze, catorze anos, recebi a ligação de um amigo. Ia absortamente eu com "E aí, seu veado" pra lá, "E aí seu gay" pra cá. Só que mãe, ali, ouvindo. Quando desliguei, ela me censurou. Mas o que é isso. Que coisa feia. Que falta de respeito. É assim que você trata seus amigos?

- Chamar um ao outro de bicha é normal. Pô, você queria que eu chamasse meus amigos de quê?

Ela deitou a cabeça perto do ombro e me fitou, com a voz naquele tom de lição materna, aquele olhar hierático de quem ensina:

- De coleguinha.

- Mãe! Quem chama os outros de coleguinha é veado!

* * *

Insisto: a tentativa de desqualificação pessoal pela preferência sexual é lamentável, condenável, execrável. E é pena que ainda exista. Mesmo que houvesse veracidade ou o mínimo de importância na questão se o piloto Nelsinho gosta ou não de dar ré (tão vendo? desculpem!, desculpem!), isso não quer dizer absolutamente nada. Que o caráter de cada um seja julgado pelo que é de direito.

3 comentários:

Tina Lopes disse...

Gostei demais desses dois posts (não q não goste dos outros, ah, entendeu né).

Rubão disse...

Ôôôôô, grande Tina? Deu um tempo com o blog, colega? Pó pará com isso. Pega seus tuíter, mas não esquece de alimentar o pergunte ao pixel.

Gracias, :)

Brun, o Perpetuo disse...

Quanta viadagem, heim?