quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Gaúchos

Tiro pra mim que o gaúcho é cortês ali, ó. Na medida.

Parece que o senso comum guarda a idéia de que, no sul, "o povo é mais educado", etc, etc. Sim, pode ser, por que não. Mas como me conduzo na corda bamba das generalizações, aqui é menos uma reflexão séria do que o registro de uma impressão muito particular. Até porque minha amostra se restringiu aos cidadãos de Gramado e arredores, e mesmo nessa pequena interseção há casos e casos, pessoas e pessoas; tudo é meio relativo, enfim.

Como qualquer cultura regional, acho a do gaúcho fascinante. O sotaque, os trejeitos, o vestir, os costumes. Por exemplo: pela manhã, perambulei pelas calçadas e pude presenciar os lojistas de cuia e bomba na mão e garrafa térmica na outra - a verdadeira liturgia do gauchismo. Recordando no paladar o amargor do mate, pensei que este certamente era um hábito que se adquire de piá. Como a gente mesma, que estranhou no início o sabor da cerveja, mas começa a idolatrar depois da segunda latinha. Por devaneio, imaginei a cena de um pai gaúcho doutrinando o próprio filho:
- Bebe.
- É ruim, pai.
- É ruim mas é bom, tchê. Te faz macho.

* * *

Faço a óbvia ressalva: Gramado é cidade turística. Pois, frequentando chocolaterias, butiques e restaurantes, fui sempre bem tratado. No entanto, tive a nítida sensação de que a maioria dos atendentes, balconistas e garçons, em muitas ocasiões, estavam no limiar da paciência (Será que estariam saturados de turistas, apesar destes serem sua principal fonte de renda? Devem fazer isso todos os dias, o ano inteiro). Foram polidos, foram educados. Mas de uma certa gentileza calculada, pouco genuína ou espontânea. Com uma simpatia ou sorriso (quando houve) que parecia mais uma fabricação do que uma artesania.

Nada para ferir ânimos ou suscetibilidades, só uma constatação. Será que esse distanciamento, essa falta de calor ou de maior interesse, é fruto talvez da descendência germânica ou da influência da temperatura das altas latitudes? Impossível precisar.

Se por um lado, o taxista que tomamos (estamos quase certos de que foi o mesmo no dia de chegada e também de partida) e o irmão do Herson Capri (assim chamamos o dono do restaurante perto da rodovária, cuja minuta oferecida para almoço servia a dois apetites moderados por R$9,00 - verdadeira pechincha numa cidade como Gramado) terem sido um tanto quanto frios e reservados, por outro o rapaz que tomava conta do Museu do Gaúcho foi de uma simpatia de tirar o chapéu.

Bueno. Mesmo dentro de uma generalização, no fim cada caso é um caso. E é só com os fundilhos na sela que se conhece o trote do pingo, tchê.

* * *

Acredito que parte da impressão de "educação" dos sulistas que temos se deve ao comportamento no trânsito - pelo menos, em Gramado. É de estranhar. O turista - o belorizontino, no mínimo - se surpreende positivamente, posto que não há semáforos. No momento em que põe os pés na faixa, qualquer motorista pára para (odeio a reforma ortográfica) você atravessar. Ou melhor, nem isso: basta que se coloque na calçada, frente à faixa de pedestres, e que percebam sua intenção. Um acordo tácito. Lindo assim.

É uma cidade do interior, dirão. Nem tanto, nem tanto. Na próxima Canela, um pouco menor que Gramado, há sinais de trânsito. Em Nova Petrópolis também. Ou seja, trata-se de uma questão de cultura, imagino, implantada (ou conservada) ao longo do tempo. Portanto, é possível a existência de um município, de tamanho considerável, sem semáforos. Para os exércitos maléficos e hediondos da BHTrans, um paraíso destes na Terra seria o próprio Juízo Final.

Claro que, para dar certo, cada um tem que fazer a sua parte: isso inclui cidadãos pedestres, cidadãos motoristas e a administração pública. Porque se percebe o toque da Poder Municipal em detalhes que incentivam o cumprimento dos deveres de cada um para preservar o direito de todos, colaborando para evitar uma eventual burla dos atores.

As principais avenidas da área central, por exemplo. Em cada uma das quatro esquinas abauladas de um cruzamento existem canteiros com bromélias, flores e pequenos arbustos, o que desestimula o pedestre a atravessar ali, fazendo-o procurar a faixa, distante a um ou dois metros.

Pode ser nada, pode ser pouco. Mas garanto - pra mim, que sou propenso à insubordinação, funcionou.

Jamais funcionaria em uma capital, infelizmente.

* * *

Pelas poucas experiências que tive e viagens que realizei, e até onde conheço, continuo achando que, no geral, o nordestino é o povo mais simpático, amistoso e sorridente do país. Isso não quer dizer que não tenha adorado, mesmo que brevemente, a experiência de conviver com a gauchada.

E também não tive nenhuma experiência racista, como já me acautelaram alguns. No entanto, um grupo de biólogos do Congresso da Meguinha foi certa noite a uma boate, e justamente os dois negros da turma - um homem e uma mulher - foram atacados por jovens locais com sprays de pimenta. Vai saber.

Enfim. Gaúchos ou não. Mineiros, nordestinos ou não. Pretos, brancos ou não. É a nossa velha civilização.

2 comentários:

TATIANA SÁ disse...

Nossa! Atacados com spray de pimenta? que ridiculo!!!

Em Brasilia, apesar da grandiosidade de gauchos, nordestinos, goianos e cariocas os pedestres tbm são muito respeitados.
Logico que existem os semáfaros, mas se parar em frente à faixa em qualquer lugar do DF, de dia ou noite, eles param para vc atravessar.
Os canteiros são lindos tbm e por enquanto estão resistindo.

Parabéns pela viagem, Gramado e Canela é mesmo m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o!!! Deu saudade de passar de novo por lá...

Rubão disse...

Que interessante, Tatiana. Não sabia.

Para termos algo do gênero aqui em Belzonte, levaria séculos.

Obrigado pela participação e um abraço!