quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Horário de cão

Primeiro dia do horário de verão. Na garagem de casa, normalmente saio de ré. Quando abri o portão, não vi que três cachorros estavam passando exatamente naquele instante (a isso os sábios e os doutores dão o nome de sincronia). Ficaram na maior saliência. Por um segundo, não saíram do lugar, bloqueando a saída. Logo passaram a babar e a sorrir, ainda mais com aquele mundo novo bem diante do focinho - uma garagem virgem, intocada, não-cheirada.

Comecei a buzinar, esperando resultado. Mas nada, continuaram empatando a saída. Apenas pareciam mais alertas e excitados. Que droga, pensei. Não bastava estar morrendo de sono por causa do horário de verão e, outra vez como sempre, atrasado. É de conhecimento de todos que gosto muito de cachorro. Se fossem outras as circunstâncias, eu os abraçaria como a irmãos, sinto que tenho ligação de alma com os vira-latas. Mas, ora, eu precisava sair e os bichos não arredavam o traseiro dali, parecia que de zoeira.

Dessa vez, buzinei com mais violência (força de expressão, a buzina do meu carro quase não se ouve mais). Nada, a turma nem se tocou. Criou-se então o impasse. Mas tudo tem limite, cheguei no meu. Deixei o carro ligado e saí para enfrentar os folgadões.

Assim que pus os pés pra fora, deu pra ver claramente que era trabalho de equipe, profissa. Me lancei sobre os safados: -"Passa-tiu! Passa-tiu!" e eles rapidinho se dividiram. Um foi mijar no lado direito da garagem, o da ponta esquerda entrou para focinhar a graminha do prédio, e o do meio ficou latindo, tentando me intimidar.

Digo nessa hora que uma pessoa que não tenha nascido em Teófilo Otoni e passado meninice no Serro, estaria apertada nessa classe de situação. Mas sou tarimbado em cachorro, sei como pensa um vira-lata. Ágil, vibrante, logo recolhi os safardanas para fora dos meus domínios. Eles protestaram muito latindo em grupo e as pessoas que estavam na rua naquele momento me olharam feio, talvez assustadas com a energia dos "Passa-tiu". Sabe como é. Mesmo errado, cachorro é bicho querido. Aberto o caminho, me pus dentro do carro e parti para o trabalho de rabo abanando. Nada como o horário de verão.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Ê, boca!

Ha. Precisei fazer uma raspagem na gengiva ontem, por razões estéticas. Pra ajudar na cicatrização, eles colocam na sua boca uma massinha, que depois endurece deixando a impressão de que existe um grande chiclete velho grudado em seus dentes. Uma beleza. Por sete dias.

Sem querer, o título do último post foi profético.

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O pior é que ando me sentindo na obrigação de explicar isso a qualquer ser vivente. No trabalho, nem se fala, mas, hoje, na oficina, no cartório, na secretaria do clube e na rua quando me pediram informação, antes de entrar no assunto, minhas palavras iniciais têm sido "Tudo bem? Repare não (aí é que todo mundo repara), fiz raspagem da gengiva ontem e colocaram um chiclete véio pra proteger. Sim, a Rio de Janeiro é a próxima à direita..."

Tem hora que não faz mal ficar de boca fechada.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O riso sob censura

Parte da família da minha mãe tá sofrendo muito com a morte iminente de um parente próximo. De repente, fica complicado chamar os amigos para reuniãozinha de comemoração de casa nova. É quase como se qualquer manifestação de alegria fosse proibida ou carregada de uma culpa lá de dentro, lá no fundo. Nesses últimos dias, várias vezes surpreendi meu sorriso quietando no meio do caminho.

É tão contraditório que às vezes também a gente se pega fazendo coisinhas banais pra não pensar na coisa toda. Arrumando dívidas e preocupações tolas que podem soar como sinais de indiferença, futilidade e até desrespeito. Mas, de alguma maneira, esse tipo de escape me parece compreensível. Será condenável?

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Sobe o pano

Tem hora certa para começar? Eu quisera ser cronista. Mas é como disse pro Leo ontem sobre o Chico Buarque: o bicho desanima qualquer um. Depois de ouvi-lo, o que resta mais dizer? É o tipo de coisa que vale para o Nelson, Verissimo, João Ubaldo, Rubem, Antônio Maria, Vinicius, Alan Moore, por aí vai.Fazer o quê? De uma forma ou de outra, escrever e ler sempre fizeram parte do que sou. Trabalho com isso, ou pelo menos engano. Mais velho, bate uma certa serenidade de saber que você não vai ser nenhum gênio da raça e nem revolucionar a literatura. E se não dá pra oferecer ao mundo O Conde e o Passarinho, a gente vamos improvisando, cada um dá o que tem. Agora é ver no que dá essa prosa. Espero que poesia. Não da boa, advirto; alguma, pelo menos.

Senhoras e senhores, com vocês, Rubens Chácara Miguez.