Após semanas, finalmente uma boa noite de sono. Graças ao corticóide. O busílis é quando o remédio acabar... a crise de tosse é bruta.
Tenho ciência dos efeitos colaterais. Há mais de um mês que tenho tomado corticóide intermitentemente. O remédio preferido - cerveja - só em um único intervalo, semana passada.
Que ao menos essa bronquite que não me larga faça-me encurtar a cintura. Afinal de contas, as saladas têm ocupado um espaço crescente em meu prato. Preciso diminuir o nível de colesterol ruim. O bom tá acima da média.
Papinho de coroa, hein. A verdade, enfim, é outra. Na realidade, tenho medo de entrar precipitadamente à fase de saber nome e princípio ativo dos medicamentos de cor. Pior: de pular etapas no quesito presentes, estes sim, o verdadeiro termômetro etário da sua vida.
Porque o o envelhecimento do homem é medido pelo tipo de presentes que ganha. Senão, vejamos.
Você começa com bicos e chupetas. Carrinhos. Playmobil. Um cachorro. Depois, o mais importante presente da sua infância, uma bola. Videogame. Canivete suíço. Um carro, se os pais forem caridosos. Eletroeletrônicos. Roupas. Vinhos. Até aqui você é um sujeito ativo, esperto, boêmio. Então os presentes começam a decretar o início da sua obsolescência, o outono da sua juventude.
Nos últimos quatro anos, ganhei nada menos do que quatro pijamas. Tudo de gente que me quer bem: minha mulher, minha mamãe e minha sogrinha. Nada contra os presentes - até porque eram de muitíssima boa qualidade e não há como culpá-las de tentar erradicar-me o antigo hábito de dormir em andrajos - mas, de qualquer maneira, aquilo era um sinal claro, evidente de que algo não ia bem. Depois, foram as pantufas - ! - alerta máximo de que o camisolismo chegara. E, agora, me vejo na atual situação. Se bobear, atravesso incólume a fase das meias, gravatas e cachecóis para atingir triunfante, antes dos 40, a apoteose das pílulas e charopes, embrulhados talvez com lacinho e papel marchê.
Todavia, a idéia não é má. Não é má. Ainda mais com o preço que andam cobrando nas farmácias, os genéricos não são mais o que foram antigamente.
Pensando bem, nem os boêmios.
sábado, 9 de junho de 2012
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Mercantilizando tudo
Neste domingo, caminhando pela feira - que agora não sei se se chama Hippie ou "da Afonso Pena" - lembrei-me de um queixume comum das pessoas, há alguns anos. O de que, com a invasão de produtos industrializados e importados, a feira havia perdido sua identidade - o caráter de exposição de artes e artesanatos, da manufatura e do made in myself.
Ao longo da avenida, o grosso da feira é ocupado pelas barracas com produtos de fábrica. À margem desse feixe de barracas, os hippies de agora - descendentes dos verdadeiros criadores da Feira - se esparramavam pelas calçadas laterais, expondo no chão seus badulaques, colares e pulseirinhas. Como rêmoras que sobrevivem aderidas em um grande tubarão.
O motor econômico se apropriou do significado original da feira e levou a tradição hippie para a periferia. Deveria ser o contrário. Por exemplo, a Feira de Santelmo, em Buenos Aires, parece conseguir resistir a essa descaracterização em marcha.
Na Feira da Afonso Pena, fiquei com a sensação de melancolia: os hippies se tornaram tão acessórios como os adereços que vendem.
* * *
Lembrei-me também dos jogos nos estádios de futebol, principalmente em partidas entre seleções, nas quais os preços dos ingressos não correspondem à realidade - tanto para o serviço oferecido no estádio quanto à condição socioeconômica dos frequentadores mais assíduos, o povão.
E, por fim, parei no festival Comida de Buteco em BH. O buteco era, não sei se ainda é, o refúgio da informalidade, de quem quer bater papo e tomar sua cervejinha sem frescura. Durante o festival, os bares ficam tão cheios quanto insuportáveis; e o evento de encerramento, uma megaprodução, com seguranças, shows, ingresso e estacionamento caros.
Tudo é pop. Tudo é mercantilizável.
* * *
Aliás, se você for parar, vai ver que a coisa às vezes é mais sutil do que se pensa. A linguagem, por exemplo.
Hoje, na sala de espera do consultório médico. Em uma revista Caras, o título de uma matéria surpreendeu: "Ator Fulano de Tal passeia com seus herdeiros".
Ou seja: a melhor qualificação que o editor encontrou para aquelas pessoinhas de cinco e três anos é a de que não eram "filhos" do ator - eram seus "herdeiros".
As relações de mercantilização contaminam os valores de tal forma que nem as manchetes escapam. Pensando bem, nem deveriam escapar, reflexo que são.
Bela herança.
Ao longo da avenida, o grosso da feira é ocupado pelas barracas com produtos de fábrica. À margem desse feixe de barracas, os hippies de agora - descendentes dos verdadeiros criadores da Feira - se esparramavam pelas calçadas laterais, expondo no chão seus badulaques, colares e pulseirinhas. Como rêmoras que sobrevivem aderidas em um grande tubarão.
O motor econômico se apropriou do significado original da feira e levou a tradição hippie para a periferia. Deveria ser o contrário. Por exemplo, a Feira de Santelmo, em Buenos Aires, parece conseguir resistir a essa descaracterização em marcha.
Na Feira da Afonso Pena, fiquei com a sensação de melancolia: os hippies se tornaram tão acessórios como os adereços que vendem.
* * *
Lembrei-me também dos jogos nos estádios de futebol, principalmente em partidas entre seleções, nas quais os preços dos ingressos não correspondem à realidade - tanto para o serviço oferecido no estádio quanto à condição socioeconômica dos frequentadores mais assíduos, o povão.
E, por fim, parei no festival Comida de Buteco em BH. O buteco era, não sei se ainda é, o refúgio da informalidade, de quem quer bater papo e tomar sua cervejinha sem frescura. Durante o festival, os bares ficam tão cheios quanto insuportáveis; e o evento de encerramento, uma megaprodução, com seguranças, shows, ingresso e estacionamento caros.
Tudo é pop. Tudo é mercantilizável.
* * *
Aliás, se você for parar, vai ver que a coisa às vezes é mais sutil do que se pensa. A linguagem, por exemplo.
Hoje, na sala de espera do consultório médico. Em uma revista Caras, o título de uma matéria surpreendeu: "Ator Fulano de Tal passeia com seus herdeiros".
Ou seja: a melhor qualificação que o editor encontrou para aquelas pessoinhas de cinco e três anos é a de que não eram "filhos" do ator - eram seus "herdeiros".
As relações de mercantilização contaminam os valores de tal forma que nem as manchetes escapam. Pensando bem, nem deveriam escapar, reflexo que são.
Bela herança.
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